segunda-feira, 6 de julho de 2020

O mundo de dentro…

Chrys Capelli

Dizem que a estação mudou. Que chove por aqui. Dizem que a vida por um frio bate na janela, arrebenta correntes e faz brotar água no deserto. O silencio da estrada sussurra uma canção. Já não sei se sou pó, poeira ou poesia. No bilhete tudo cabe dentro daquelas reticências. O barulho do vento, as cores do lápis, o vazio de uma ponte de madeira. É desfecho ou apenas o começo? Não vejo linha na contramão. Apenas uma rima rumo ao nada. Um risco, um abrigo, um amigo. Tem hora que me perco dentro em mim…

Rascunho inacabado…

Por Chrys Capelli
1112Saudade daquela brisa que batia na janela e já alcançava meus olhos sem que eu precisasse me aproximar. Era um tempo onde eu bagunçava as estrelas com as pontas dos dedos e sem perceber o poema já escorria do azul direto para a folha em branco. A pena movia e tecia a letra pontilhada de renda. Entre linhas, tudo virava verso. Era espera. Era noite vestida de luz. No varal somente a memória dormia com a canção de (me) ninar. Já fui inverno na noite de verão. Já fui cor no frio da alma. Hoje recolho os sabores da estação que espero chegar…

Perspectiva…

Por Chrys Capelli
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Um fio de luz que costura as esperanças. Tecer palavras constrói um mundo de entrelinhas que se cruzam no infinito. Pode ser ponto ou fragmentos de uma vírgula. Perder nas reticências desconstrói os contrários da vida. Faz do avesso um mosaico de cores. Há uma paz inquietante na cor e no agir dos descaminhos. Caminho. Amo.
A cada chegada, um encontro com as pequenas frações de meu ser. É assim. Navegar além daquele olhar, perder no oceano da emoção. Tudo é (a)mar. Quanto mais se aproxima daquela linha distante, mas ela se afasta. Medo? Ilusão? Não! Apenas vontade de ir além… Talvez seja por isso que o horizonte existe: para ensinar que nunca devemos parar de caminhar.
Cheguei e parti. A viagem mais longa é aquela pra dentro de mim…
Horizontes…

Sem palavras…


Por Chrys Capelli

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Venha, coloque suas mãos aqui.
Deixe que eu te conduza pra um caminho nem tão longe assim.
Deixa-me atravessar esse fio invisível. Costure seus sonhos nos meus. Quero me perder e te achar nas profundezas desse horizonte…
Olhe bem dentro de mim…
Permita que eu ultrapasse a linha de chegada.
Venha, traga seu travesseiro. More nesse abraço. Deixa-me contar o que se passa nessa estrada sinuosa e barulhenta. Seja meu plural. Transcenda o tempo, reverbere no espaço…
Chegue mais perto e tente descobrir o que meu silêncio insiste em velar.
Saboreie
Demore…
Seja bem-vinda alma minha. Sua casa sempre esteve arrumada à sua espera…

Uma varanda sob o silêncio…

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                  Quando as vozes do mundo se calam, é hora de vivenciar as pausas da música. Convoco as lembranças. Viajo no tempo…
                 O que vejo impressiona-me. Ali, no alto da serra, um pai de família caminha no escuro. Já conhece as pedras que daquele trajeto fazem parte. Conhece as curvas, o relevo irregular, os perigos daquela trilha em meio à mata escura. Após um dia de luta na labuta, ele carrega no ombro seus cansaços e suas ferramentas de trabalho. Tem um andar vagaroso, mas firme e determinado em chegar a seu lar. Os filhos, ansiosos pelo abraço caloroso do pai, sabem que em breve muitos sorrisos serão saboreados à beira do fogão de lenha. Chegar em casa é refúgio para alma. Lugar onde os sonhos ganham vida e verdade. Um oásis. Ali, onde o amor faz morada, todos os pesos são esquecidos, porque a felicidade tem o dom de nos deixar leves. De criar asas. De alcançar as nuvens com os pés em terra firme. De mansinho, ele abre a porteira e em plena escuridão avista a luz fraca da varanda da pequena casa atrás dos montes. Ele fixa os olhos na tentativa de certificar que ela já está à sua espera. Uma varanda, o silêncio e uma beleza que clareia os caminhos da vida. O cenário é o mesmo: vestido até os joelhos, cabelos presos, um livro, o silêncio e um sorriso sorrateiro como se já se encantasse com a chegada do amado. Abrir a porteira é o mesmo que tocar as estrelas. O encontro. A vida simples e bela. Eles aprenderam que felicidade e sonhos precisam de pés que caminham juntos, de mãos que se entrelaçam e um silêncio que decifra as palavras ditas pelo olhar…
               Sinto que Deus chegou de levinho, pendurou o chapéu na parede, ajeitou o banquinho, pegou o violão e fez uma canção. De longe, vejo que o horizonte mostra a silhueta da serra e por trás dela, uma história perpassa o tempo. Contemplo o luar. O silêncio me fala muito de Deus. Retira meus olhos da escuridão e me faz admirar as estrelas. Precisei dar a volta dentro de mim para perceber que silêncios e palavras se completam. Sábio é aquele que entende os recados que a quietude fala e desvenda a mansidão das palavras polvilhadas pela alma. Não temo a escuridão. Os vaga-lumes me mostram que é possível enfrentá-la, mesmo com uma luz pequenina. A esperança é essa menina de olhos verdes, que pede carona nas estradas da vida. Quando ela acena, a fé entra em cena…
               Anoiteço. Feliz pela visita de Deus. E nos primeiros fios de luz, minha alma já estava alinhavando sonhos…Amanheci!…



Vida tecida de palavras… 

(Chrys Capelli )



A tarde cai e com ela a chuva fina vai deixando seu cheiro de mato. Os versos, antes na poeira da estrada cinzenta, agora escorrem pelas margens floridas, prontos para serem recolhidos e guardados na alma. A luz vai descendo atrás dos montes. A chuva já cumpriu seu doce papel de fecundar a terra. O cenário vai sendo montado deixando as pequenas luzes estrelarem na escuridão do firmamento. Ao longe, as cordas de um violão são dedilhadas por mãos que querem voar…Ali, no meio do mato, a casinha durante a noite é dourada. Na varanda, ao pé da escada, contos e prantos que viram cantos. Onde o estalar da lenha no fogão acende a chama da fé. São vidas narradas. Histórias vividas. O singular alinhavado no plural. Emaranhado de nós que um dia deixará saudade. Em meio a tantos risos, um olhar que procura um porto. Uma folha em branco onde possa ancorar seus sonhos. Uma criança brinca com bolinhas de sabão e descobre, na demora do olhar, que a beleza é passageira. Já tem olhos de poesia. Olhos de amar…Um cachorro, uma coruja, um grilo que tenta acompanhar a cantoria da noite. Por trás das montanhas, o único sinal é a fumaça que sai da chaminé deixando rastro de esperança. No ritmo das cordas, a lua se enche de melodia e reluz lembranças em Sol maior. Aos poucos, as vozes se cansam. O violão se cala e o silêncio reverbera. É hora de recolher os poemas deixados na estrada. Hora de convocar as saudades. Olhei para céu. A cada verso pautado, uma estrela vem morar na minha mão…
Um passado quase presente...
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O poema do trem me fez trilhar os caminhos vividos. Remexer as lembranças fizeram minhas saudades acordarem. Saudade do antigamente. Deixou-me em fiapos. O fios soltos do meu avesso sendo, um a um, unidos por letras que transpassaram a alma. Descarrilou meu coração, no susto! As cores eram vivas. A época, cenas em preto e branco, apenas! O último vagão lançou-me aos primórdios da história. Lá, onde o amor fez morada. Uma inquietação que fez a lágrima escorrer e molhar a página do livro. Aquele, de capa preta, que passava rapidamente por aquela estação que devolvia a vida…Pela janela, a menina de olhos da cor da tempestade, tecia palavras para jogar aos pássaros. Não havia nuvens, apenas o sol a brilhar, no papel. Um livro, uma página, uma história. Todo passado nas (entre) trilhas daqueles trilhos. O bilhete em versos, puído pelo tempo, regressou-me aos jardins da minha alma. Colher destas flores me antecipou a eternidade. Hoje, na primeira luz da manhã, voltei para minha casa, lugar onde a memória resgasta suas asas. Voei. Parti. E quando as águas estavam quase fechando meu verão, ganhei um presente do passado…
( Chrys Capelli )